quarta-feira, 22 de maio de 2013

Farewell Portugal!

Passam hoje duzentos anos sobre a entrada do futuro duque de Wellington em Espanha, deixando Portugal para não mais voltar, marcando simbolicamente o início da gloriosa campanha aliada de 1813 cujo resultado seria a libertação da Península Ibérica do poder napoleónico.

A tradição narrativa da Guerra Peninsular diz-nos que o duque, no momento em que atravessava o ribeiro que marca a fronteira luso-espanhola, gritou:

Farewell Portugal! I shall never see you again.

A expressão surge pela primeira vez, embora apenas Farewell Portugal, no quinto volume da obra clássica de Sir William Napier, History of the War in the Peninsula and the south of France:
«A grand design and grandly it was executed! For high in heart and strong of hand, Wellington’s veterans marched to the encounter, the glories of twelve victories played about their bayonets, and he their leader was so proud and confident, that in passing the stream which marks the frontier of Spain, he rose in his stirrups and waving his hand, cried out «Farewell Portugal!.»[1]

Este ato parece coadunar-se pouco com a personalidade de Wellington e a grandiloquência de Napier faz-nos por vezes desconfiar da sua verosimilhança.


Curso de água próximo de Castro de Alcañices, junto à  fronteira luso-espanhola,  no caminho que liga Miranda do Douro ao rio Esla.
(Foto: Paulino Preto)

Recentemente, na sequência de uma discussão sobre o assunto, Steven H. Smith, colaborador no fórum do site Napoleon Series, indicou a obra The life of Wellington: the restoration of the martial power of Great Britain  de Sir Herbert Eustace Maxwell (Bart.), onde se encontra explicada a origem da história e a fonte de que se serviu Napier.

Parece que a história foi contada a Napier por Sir Rufane Donkin, que por seu lado a ouviu contar ao general Sir Thomas Picton, considerado a verdade em pessoa. Deixamos aqui a citação do excerto da carta de Donkin para Napier:
«Picton told me a strange story. He was riding with Lord W. at the head of the advanced guard, when they crossed a rivulet which was the boundary of Portugal; on which Wellington turned round his horse, took off his hat, and said 'Farewell, Portugal! I shall never see you again.' This was so theatrical — so unlike Wellington — that I should say at once it cannot he true; but Picton, who told it me, was truth itself" (unpublished letter from Sir R. Donkin to Col. William Napier).»[2]

Ora sabe-se que Wellington entrou em Espanha a 22 de Maio de 1813 pela fronteira da Beira para Ciudad Rodrigo e nesta altura o general Picton encontrava-se em Trás-os-Montes comandando a 3ª divisão, parte da ala esquerda do exército aliado. Wellington só se reúne à ala esquerda no dia 30 quando esta já se encontrava em Espanha nas margens do rio Esla. Parece-me pois que se a história, contada em segunda mão por Donkin, tiver algum fundo de verdade deverá ter tido lugar na raia transmontana/zamorana mas não com Wellington na vanguarda do seu exército. 
Napier não perdeu a oportunidade de usar a história para «dourar» a sua narrativa e a partir daí o episódio surge descrito quer nas numerosas biografias de Wellington quer em muitas outras obras sobre a Guerra Peninsular. 


[1] History of the War in the Peninsula and the south of France, por Sir William Napier. 1836, Vol. 5, p. 513.
[tradução, jqn] «Um sublime desígnio e sublimemente executado! Intensos de coração e fortes de mão, os veteranos de Wellington marcharam ao encontro, as glórias de doze vitórias obtidas pelas suas baionetas, e ele seu líder estava tão orgulhoso e confiante, que ao passar o curso de água que marca a fronteira de Espanha, levantou-se nos seus estribos e acenando com a mão, clamou «Adeus, Portugal!»

[2]The life of Wellington: The restoration of the martial power of Great Britain por Sir Herbert Eustace Maxwell (Bart.). (4th edition, 1900), Vol. 1, p. 310.
[tradução, jqn] «Picton contou-me uma estranha história. Ele estava a cavalgar com Lord W. à cabeça da vanguarda, quando cruzaram um ribeiro que era a fronteira de Portugal; nessa altura Wellington virou o seu cavalo, tirou o seu chapéu, e disse ‘Adeus, Portugal! Nunca mais te verei.’ Isto foi tão teatral – tão pouco próprio de Wellington – que eu devo dizer desde logo que não podia ser verdade, mas Picton, que foi quem me disse, é a verdade personificada (carta não publicada de Sir R. Donkin para Cor. William Napier)»

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