Na sequência do post anterior apresentamos agora a tradução do relatório escrito pelo Tenente-General Sir William Stewart, comandante da 2ª divisão aliada, e enviado ao seu superior, o Tenente-General Sir Rowland Hill, que comandava o corpo aliado destacado na margem direita do rio Nive.
Sir William Stewart não esconde no seu relatório a importância do esforço das unidades portugueses durante todo o combate de Saint Pierre, elogiando a sua coragem e disciplina naquela ocasião dramática.
Tenente-General Sir William Stewart para o Tenente-General Sir Rowland Hill
Petite Mouguerre, 14th December, 1813
(The Hon. Sir William Stewart) |
Senhor,
Ao nascer do dia de
ontem, percebeu-se que o inimigo tinha concentrado as suas colunas na
estrada de Bayonne, em frente do subúrbio de Saint Pierre. Às 8 da manhã o
inimigo avançou com muita animação contra os nossos postos avançados colocados
sobre aquela estrada. O centro da posição, que era interceptado pela estrada,
tinha sido entregue à brigada portuguesa comandada pelo Brigadeiro General [Charles]Ashworth. O inimigo iniciou imediatamente um ataque determinado pela estrada e
por ambos os lados dela, e ao mesmo tempo destacou uma grande força pela sua
direita para aquela parte da posição central que repousava num regato de moinho
e numa ravina que separava o centro da nossa esquerda, ocupada pela brigada do
Major-General Pringle. O movimento do inimigo naquela direção foi rápido, e, se
bem sucedido, teria separado aquela brigada do resto da 2ª divisão.
O inimigo, ao mesmo
tempo ou um pouco depois, moveu a divisão Darmagnac contra a direita da
posição, ocupada pela brigada do Major-General Bing, no alto e na vila de Vieux
Mouguerre. O extremo direito desta posição repousava no Adour, enquanto a
esquerda do Major-General Pringle se estendia até ao Nive. A extensão da frente
assim ocupada pela 2ª divisão era quase de 4 milhas, os flancos estendendo-se
em alturas, e o centro, de forma semicircular, possuía um carácter favorável à
defesa. Todo o terreno ocupado é muito retalhado, com muitas casas dispersas, impróprio
para os movimentos da cavalaria.
O objectivo do
inimigo era forçar o nosso centro, ameaçar a esquerda e tomar posse firme da
nossa direita. Esse objetivo, atingido em primeira ou última instância, (a
altura de Vieux Mouguerre liga-se com a de Petit Mouguerre na retaguarda do
centro) levaria necessariamente à retirada de toda a linha avançada. O ataque
contra a brigada do Major General Pringle foi comparativamente mais fraco, e
conduzido principalmente por tropas ligeiras. Assim que foi desencadeado o
ataque sobre os postos avançados no centro, as companhias ligeiras da brigada
do Major General Barnes avançaram para os apoiar e aquela brigada chegou logo
após.
As colunas inimigas
no centro, apesar de muito fustigadas pelos piquetes, conseguiram fazê-los
recolher e estabeleceram-se numa crista intermediária entre a estrada e a
esquerda do centro da posição.
(Batalha de Saint Pierre - 13 de Dezembro de 1813) |
Nesse local e em
algumas casas vizinhas, em ambos os lados da estrada, o combate durou algumas
horas e com sucesso incerto. O regimento português nº 18 e a brigada do Major
General Barnes empurraram repetidamente o inimigo de volta à sua posição
inicial, e ele, por seu lado, graças ao número superior, da mesma forma
obrigava as nossas tropas a retirar. Foram executadas algumas cargas brilhantes
pelos portugueses e britânicos, particularmente pelo 92 Highlanders e o
regimento português nº 18, galantemente dirigidas pelo Major General Barnes.
Quatro peças da cavalaria a cavalo do Tenente-Coronel Ross e seis da artilharia
portuguesa do Tenente-Coronel [Alexander] Tulloh foram usadas principalmente na defesa do
centro, tendo sido muito habilmente dirigidas por aqueles zelosos oficiais.
Enquanto a defesa das casas e da estrada estava a cargo do Major General
Barnes, achei conveniente dar a minha atenção à esquerda do centro e preservar
a comunicação com a posição do Major General Pringle. O regimento português nº
6 e o 6º de caçadores defendiam a esquerda do centro distinguindo-se bastante.
O inimigo cresceu rapidamente em número e confiança que se tornou necessário retirar
do centro o regimento 71 e duas peças da artilharia a cavalo e mais tarde duas
companhias do regimento 92 para apoiar os portugueses. Sucessos vários continuaram.
A superioridade numérica do inimigo permitiu-lhe, por volta do meio-dia,
ganhar-nos o topo do terreno elevado assim como as cercas e casas vizinhas. A
chegada da brigada da esquerda [da divisão] do Major-General [Carlos Frederico] Le Cor, comandada
pelo General [Hipólito] Da Costa, foi oportuna. Dei ordem ao regimento nº 2 [português]
para contornar a direita das colunas inimigas e logo depois, ao 14º [português]
para recuperar o importante terreno que tínhamos perdido em frente. Ambos os
movimentos, tal como todos os executados pelo nosso galante aliado na ação de
ontem, foram feitos com grande espírito. A carga efetuada pelo regimento nº 14
[português], em coluna, através de uma cerca destruída e por uma estrada
arborizada, foi liderada pelo Major Jacintho Travassos e teve a minha maior
admiração.
(Major General Carlos Frederico Lecor) |
Efectivamente virou a roda da fortuna do dia naquele ponto. É meu
dever recomendar à vossa atenção e à do Marechal Sir William Beresford, aquele
corajoso oficial, que foi, segundo sei, gravemente ferido.
Enquanto a contenda
continuava, conforme dito acima, no centro da posição, o inimigo depois de
repelido voltou a empenhar tropas frescas no ataque, chegou, por vossa ordem,
vindo da direita, o Major General Byng com o regimento 57 e um batalhão
provisório, deixando o Buffs e as tropas ligeiras da sua brigada, comandadas
pelo Tenente-Coronel Bunbury, para defender as alturas de Vieux Mouguerre.
Apesar de este oficial ter sido, aparentemente, obrigado pela divisão Darmagnac
a retirar para a retaguarda da posição, ao receber a vossa ordem para recuperar
a povoação, o assalto foi executado com espírito, e o inimigo forçado a
abandonar a altura, principalmente pelo empenho do Capitão Cameron (do Buffs):
ele comandou as tropas ligeiras distinguindo-se muito, como em todas as
ocasiões, e capturou um tenente-coronel e alguns «chasseurs» inimigos.
Até à uma hora da
tarde viram-se os comandantes inimigos
tentando lançar colunas frescas no ataque ao centro e essas colunas recusando
avançar. Pareceu então oportuno fazer avançar a nossa direita, em frente da
posição original do Major General Byng, e desapossar o inimigo de uma crista na
qual ele tinha muitas forças e algumas peças com as quais incomodava o nosso
centro. Ordenei ao Major General Byng para reunir a sua brigada do centro e a do
alto de Vieux Mouguerre e atacar a crista. O movimento combinado foi executado
com grande discernimento e coragem sob um fogo intenso por parte do inimigo. O
Major General foi o primeiro a chegar o topo da colina com a bandeira do
batalhão provisório nas mãos: o inimigo foi expulso da crista e empurrado para
baixo para o subúrbio de St. Pierre, abandonando uma peça de 8 polegadas. O
Major General louva calorosamente no seu relato o Tenente-Coronel Leith e o
batalhão provisório pelo seu serviço. O inimigo fez um esforço mal planeado
para retomar a posição, coberto por um forte bombardeamento de artilharia, mas
a tentativa foi frustrada pela chegada da brigada portuguesa do Brigadeiro
General Buchan em apoio do posto.
Na esquerda o Major
General Pringle foi inicialmente atacado por tropas ligeiras e mais tarde de
forma mais sólida. Manteve bem a sua posição e fazendo avançar a sua brigada
para os postos avançados, já dentro do alcance do campo entrincheirado inimigo,
contribuiu muito com este avanço para repelir o ataque feito contra a esquerda
do nosso centro graças ao fogo de flanco feito pelo regimento 28. O Major General
refere favoravelmente a conduta do Coronel Belson e daquele regimento. Tendo o
Major General Barnes sido obrigado a abandonar o campo devido a duas feridas, o
Brigadeiro General Ashworth retomou o comando do centro da posição, e com igual
inteligência e espírito restabeleceu os seus postos avançados no terreno que
tinha estado na posse dos do inimigo antes da ação, o qual, nesta altura,
abandonou uma peça pequena.
(Attack on the road to Bayonne - Dec. 13th 1813 por A. Heath) |
A linha avançada
assim adquirida ao longo da nossa frente confirmou a vitória do dia.
Ao pôr-do-sol o
inimigo retirou para o subúrbio de St. Pierre e o fogo cessou em ambos os
lados.
A perda sofrida
pela divisão sob o meu comando imediato [2ª divisão], num confronto tão
desigual em termos dos números opostos, foi severa. A divisão teve que cumprir
bem o seu dever de forma a manter-se no terreno ocupado inicialmente: graças ao
apoio ativo e atempado que lhe enviou não foi necessário retirar daquele
terreno; nem teria eu feito justiça às vossas disposições de ontem e dos dias
precedentes se uma resistência menos firme do que a que ocorreu tivesse sido
feita. O inimigo deve ter sofrido severamente dadas a tenacidade do seu ataque
e a nossa posição dominante. Parece que nos opôs todo o seu exército, com
exceção das duas divisões na margem esquerda do Nive, e uma mantida em reserva
na nossa frente. Creio que o Marechal Soult comandou em pessoa.
A chegada da 6ª e
depois da 3ª divisão trouxe ao corpo sob o meu comando um apoio valioso, já no
fim da ação, que contribuiu muito para o nosso sucesso. Fico em divida
particularmente aos Caçadores da 6ª divisão [batalhão nº 9] pela sua cooperação
no ataque do Major-General Byng à crista avançada.
Não posso expressar
tão calorosamente como deveria a minha aprovação dos generais e oficiais
comandantes debaixo das minhas ordens. Dos primeiros, os Majores Generais
Barnes e Byng e o Brigadeiro General [Charles]Ashworth distinguiram-se particularmente.
Dos segundos, o Tenente-Coronel Cameron, 92 Highlanders, e o Major Gordon,
regimento 50, que comandaram as tropas ligeiras do Major General Barnes, foram
os mais destacados na minha primeira brigada. O tenente-coronel Leith,
regimento 31, e o capitão Cameron dos Buffs na segunda brigada. O
tenente-coronel [Maxwell] Grant, regimento português nº 6, que comandou
primeiro aquele regimento e depois a brigada, apesar de gravemente ferido no
terminar da ação; o tenente-coronel [Peter] Fearon, Caçadores nº 6, e o Capitão
Borges [Manuel Pereira Borges], que comandou o regimento nº 18 depois da morte
do Major José [Matias José de Sousa], na brigada portuguesa. O mérito do Major [Jacinto
Alexandre] Travassos, do regimento português nº 14, foi já indicado por mim.
Estou em divida, pelo importante apoio que me prestaram nos seus comandos, aos
Majores Generais Pringle e [Carlos Frederico] Le Cor, aos Tenentes-Coronéis [Alexander]
Tulloh e Ross e ao Major Jenkinson, da Real Artilharia Britânica, ao Major [João da] Cunha Preto da artilharia portuguesa, e ao capitão [Hugh] Lumley do
regimento português nº 18.
Recebi muita assistência
por parte dos meus ajudantes pessoais, todos eles feridos, enquanto estiveram
no campo: pela quarta vez durante esta campanha aproveito a oportunidade
para chamar a vossa atenção e a do Comandante das Forças para o mérito do
Capitão Thorn, Deputado-Assistente do Quartel-Mestre General.
Tenho a honra de
incluir os nomes de alguns oficiais cuja a promoção, pelos seus serviços na
ação de ontem, peço a vossa recomendação ao Marquês de Wellington.
Tenho a honra de
ser, Senhor, um seu fiel servidor,
W. Stewart
Fonte: Supplementary Despatches, Correspondence, and Memoranda of Field Marshal Arthur, Duke of Wellington (...) Volume the Eight (...) London, 1861: p. 438-441.
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