No dia 1 de Julho de 1813 praticamente todas essas forças se
encontravam para lá da fronteira francesa e os seus comandantes procuravam
reorganizá-las e reequipá-las com o objetivo de impedir a entrada do exército
aliado em França, mas esse esperado ataque não estava nos planos imediatos de
Wellington.
Depois de Vitoria, o comandante aliado pôs em marcha uma
série de operações de perseguição dos vários corpos franceses em retirada, mas
os resultados foram decepcionantes. Assim a 1 de Julho já Wellington tinha
decidido que os seus objetivos se limitariam a estabelecer o seu exército desde
o oceano até ao passo de Roncesvalles, a coberto do rio Bidassoa e ocupando os
altos vales pirenáicos na fronteira com a França, e proceder ao cerco das
praças de San Sebastian e Pamplona.
Enquanto no Norte as forças aliadas já se encontravam sobre
o Bidassoa faltava ainda ocupar o estratégico vale de Bastan, situado na zona
central da posição desejada por Wellington, o que facilitaria a comunicação
entre os dois extremos dessa posição. Por ele passava também a estrada que
ligava Pamplona a Bayonne pelo passo de Maya, uma das entradas em França pelos
Pirinéus.
Para esta operação Wellington destacou uma força de
vanguarda composta pela 2ª divisão aliada - duas brigadas britânicas e uma
portuguesa comandadas pelo general William Stewart - e pela divisão portuguesa -
comandada pelo general Francisco da Silveira, conde de Amarante - sob o comando
do general Rowland Hill.
A 2 de Julho, Hill partiu de Pamplona pela estrada referida
sendo apoiado sucessivamente por outras duas divisões do exército - a 7ª e a
divisão ligeira - com um dia de marcha de intervalo entre todas.
Entretanto no vale de Bastan os franceses procediam à
rendição do corpo comandado pelo general D’Erlon pelo comandado pelo general
Gazan e foi nesse momento delicado que a vanguarda aliada entrou no vale.
(Vale de Baztan) |
(Foto retirada de The passes of the Pyrenees, p.166, de Charles L. Freston, 1912) |
As forças aliadas concentram-se em Elisondo onde Wellington
aguarda a aproximação da 7ª divisão para forçar a nova posição francesa. Assim,
na manhã de 7 de Julho, o comandante aliado desencadeia o ataque enviando uma
força comandada pelo general Stewart para assaltar a posição onde se ancorava a
direita francesa esperando ao mesmo tempo que a 7ª divisão apoiasse este
ataque. Quando Stewart expulsou os franceses da posição indicada, mandou
avançar as restantes forças de Hill sobre o centro e a esquerda francesa.
É neste contexto que aqui apresenta-mos o relatório do
General Francisco da Silveira, conde de Amarante, dando conta dos
acontecimentos de 7 e 8 de Julho ao Marechal Beresford. Este documento de
Silveira é extraordinário pois em nenhuma das narrativas britânicas consultadas
é referido que o general português tivesse sido encarregado do comando da força
que atacou o centro-esquerda francês.
As várias narrativas inglesas sobre os acontecimentos de 7 e
8 de Julho em Maya, são em geral pouco claras e contraditórias entre si. Assim,
por exemplo, Charles Oman dá-nos uma versão completamente oposta à de Silveira
mas também à de John Fortescue e especialmente à de John Hope, oficial do 92nd Regiment of Foot (Highlanders), que esteve presente no combate. A narrativa
deste oficial é a mais detalhada e em grande parte concordante com a relação de
Silveira que se publica, e pode ser encontrada nas suas cartas.
Transcrevemos a seguir o relatório de Silveira, conservado
no Arquivo Histórico Militar, atualizando a ortografia e inserindo algumas
notas:
Ilustríssimo e Excelentíssimo
Senhor
Tenho a honra de
remeter a Vossa Excelência o mapa dos feridos que a brigada da divisão do meu
comando [Divisão Portuguesa] teve nos
combates do dia 7 e 8 do presente mês [Julho]. No dia 7 recebi ordem em Elizondo de tomar o comando da brigada
inglesa nº 1 [1ª brigada da 2ª divisão aliada, comandada pelo coronel John Cameron] e do regimento de infantaria português nº 6, e
do esquadrão de cavalaria do regimento nº 14 [14th Regiment Light Dragoons] para junto com a brigada portuguesa dos
regimentos de infantaria nº 2 e 14 da divisão do meu comando, marchar sobre o
inimigo que se achava em Arisco. O inimigo tinha uma grande guarda neste povo,
sobre o caminho que a ele se dirige de Elizondo; na retaguarda de Arisco há um
rio com uma ponte chamada de la Mearrita (?), no caminho que se dirige a Maia;
o inimigo se achava postado na sua direita com algumas colunas mais afastadas,
do qual saía uma linha até à sua esquerda apoiada na montanha onde tinham
alguns batalhões em escalão. Na sua retaguarda a direito do povo de Maia em uma
montanha tinha uma força considerável formada em colunas de escalão.
Todas estas posições
foram deixadas imediatamente que a nossa tropa principiou a marchar; sendo por
nós seguido muito de perto até que tomou posições no Porto de Maia; onde apoiou
a sua direita em um cabeço mais elevado, e a sua esquerda até ao cimo da
montanha que se eleva na esquerda do Porto, tendo guarnecido a subida da
montanha com caçadores e pequenas partidas. Os caçadores britânicos, as
companhias de granadeiros dos regimentos nº 2, 6 e 14 foram ocupadas no serviço
de caçadores debaixo das ordens e direção do tenente-coronel Fitegerald [Fitzgerald] do regimento nº 60; os quais principiaram a
fazer um fogo vivíssimo, e a levar diante de si os caçadores inimigos; então
mandei subir pela direita o regimento de infantaria nº 6 com o regimento inglês
nº 71 e pela esquerda os regimentos ingleses nº 50 e 92; os da direita tomaram
posições no cimo de uma montanha que os inimigos tinham guarnecida e que dava
já uma passagem para a em que estavam os inimigos em força; o fogo durou até às
8 horas da noite, e as tropas ficaram nas mesmas posições que tinham.
No dia 8 toda a
montanha estava coberta de névoa e por isso não se tinha conhecimento dos
movimentos do inimigo. Levantou-se a névoa e se viu que ele se retirava e então
o Sr. General Hill [comandante do corpo que incluía a 2ª divisão aliada e a
divisão portuguesa] mandou que fosse
seguido; subiu-se à montanha sem oposição, onde se uniu a coluna, que marchava
pela esquerda do comando do Sr. General Stuarth [general Stewart,
comandante da 2ª divisão aliada]. Todos
os caçadores, as companhias de granadeiros dos regimentos nº 2, 6 e 14
portugueses e regimento nº 6 seguiram o inimigo até ao fim da montanha,
imediata ao povo de Urdaye [Urdax]; o
inimigo se fez forte e na retaguarda deste povo tomou as montanhas da sua
direita e esquerda deixando uma força na ponte que dirige o caminho a Anhóa [Ainhoué].
Três companhias do
regimento nº 6 subiram acima da montanha da nossa direita e principiaram a
fazer fogo aos caçadores inimigos. As companhias do regimento nº 2 e 14 tomaram
as montanhas da nossa direita e principiaram a fazer fogo aos caçadores
inimigos e algumas companhias de batalhão de caçadores nº 6 e do regimento de
infantaria nº 6 e caçadores ingleses desalojaram o inimigo do povo de Urdaye
onde se ficaram. Veio ordem para se suspender o fogo por cujo motivo tiveram os
inimigos ocasião de tornarem a entrar no povo, de onde tornaram a ser
desalojados pelo fogo de uma peça e um obus da brigada de calibre 6 do meu
comando.
Permita-me V. E. que
eu lhe segure, que toda a tropa que comandei cumpriu dignamente os seus
deveres; mas não posso deixar com particularidade de fazer menção do
tenente-coronel do regimento de infantaria 6 João Telles [de Meneses e
Mello], que comandando as companhias de
granadeiros se portou com muito valor; também merece os louvores de V. E. os
oficiais que comandaram as companhias dos regimentos 2 e 14 e o major graduado em
tenente-coronel Lourenço Martins [Pegado] que levou ao fogo o 2º batalhão do regimento nº 2 e o major Gill do
regimento nº 6 que comandou as companhias do mesmo regimento que foram
destacadas pela nossa direita, e o coronel Ashworth [Charles Ashworth], comandante da brigada 6 e 18, que vi junto
com os caçadores fazendo fogo ao inimigo.
Falo nestes por serem
dos regimentos portugueses porque se houvesse de falar dos mais o faria do
digno modo e valor do Sr. Cameron, comandante da 1ª brigada inglesa, e do tenente-coronel
Fitegerald doregimento nº 60, que comandou todos os caçadores e o fez muito
dignamente. Todos os oficiais ingleses vi portar exemplarmente e tive a
satisfação de ver que os portugueses o fariam igualmente.
Da brigada dos
regimentos 4 e 10 e caçadores nº 10 nada posso dizer a V. E. pois desde que se
apartou não tenho tido parte nenhuma, nem amais pequena notícia dela.
Deus guarde Vossa
Excelência
Quartel-general de
Arisco 9 de Julho de 1813.
Il.mo. Ex.mo Sr.
Marquês de Campo Maior
De V. Ex.cia súbdito
muito obediente
Assinatura: Conde de
Amarante[1]
Nestes combates de 7 e 8 de Julho, em Maya e Urdax, as
unidades portuguesas empenhadas tiveram 16 praças mortos, 2 oficiais e 47
praças feridos e ainda 3 praças extraviadas.
Os oficiais feridos foram o ajudante Joaquim Francisco de Sá
e Vasconcellos e o Capitão João Schwalback, ambos no dia 7.
Bibliografia:
Sir Charles Oman, A History of the Peninsular War, volume VI.
James Hope, Letters from Portugal, Spain, and France…, by a
British officer.John Fortescue, A History of the British Army, volume IX.