quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Francisco da Silveira, conde de Amarante, e o combate de Maya

(Fonte: Biblioteca Nacional Digital)
Na sequência da derrota sofrida na batalha de Vitoria (21 de Junho) os exércitos franceses que ocupavam o noroeste da Península Ibérica evacuaram toda aquela área numa retirada geral que terminou na fronteira hispano-francesa.

No dia 1 de Julho de 1813 praticamente todas essas forças se encontravam para lá da fronteira francesa e os seus comandantes procuravam reorganizá-las e reequipá-las com o objetivo de impedir a entrada do exército aliado em França, mas esse esperado ataque não estava nos planos imediatos de Wellington.

Depois de Vitoria, o comandante aliado pôs em marcha uma série de operações de perseguição dos vários corpos franceses em retirada, mas os resultados foram decepcionantes. Assim a 1 de Julho já Wellington tinha decidido que os seus objetivos se limitariam a estabelecer o seu exército desde o oceano até ao passo de Roncesvalles, a coberto do rio Bidassoa e ocupando os altos vales pirenáicos na fronteira com a França, e proceder ao cerco das praças de San Sebastian e Pamplona.

Enquanto no Norte as forças aliadas já se encontravam sobre o Bidassoa faltava ainda ocupar o estratégico vale de Bastan, situado na zona central da posição desejada por Wellington, o que facilitaria a comunicação entre os dois extremos dessa posição. Por ele passava também a estrada que ligava Pamplona a Bayonne pelo passo de Maya, uma das entradas em França pelos Pirinéus.

Para esta operação Wellington destacou uma força de vanguarda composta pela 2ª divisão aliada - duas brigadas britânicas e uma portuguesa comandadas pelo general William Stewart - e pela divisão portuguesa - comandada pelo general Francisco da Silveira, conde de Amarante - sob o comando do general Rowland Hill.

A 2 de Julho, Hill partiu de Pamplona pela estrada referida sendo apoiado sucessivamente por outras duas divisões do exército - a 7ª e a divisão ligeira - com um dia de marcha de intervalo entre todas.
Entretanto no vale de Bastan os franceses procediam à rendição do corpo comandado pelo general D’Erlon pelo comandado pelo general Gazan e foi nesse momento delicado que a vanguarda aliada entrou no vale.

(Vale de Baztan)
A 4 de Julho, Hill irrompeu pelo Bastan e empurrou as primeiras forças francesas que se lhe opuseram e Wellington, apesar de estar em inferioridade numérica - tinha entretanto destacado uma das brigadas da divisão portuguesa para Alduilles - decide atacar a posição inimiga de Aniz, no dia 5 de Julho. As forças francesas, bastante afetados moral e fisicamente pelas condições difíceis da recente retirada, abandonaram a posição perante a determinação aliada, tendo o general Gazan decidido evacuar o vale e estabelecer uma forte posição defensiva sobre o passo de Maya, porta de entrada em França.

(Foto retirada de The passes of the Pyrenees, p.166, de Charles L. Freston, 1912)
As forças aliadas concentram-se em Elisondo onde Wellington aguarda a aproximação da 7ª divisão para forçar a nova posição francesa. Assim, na manhã de 7 de Julho, o comandante aliado desencadeia o ataque enviando uma força comandada pelo general Stewart para assaltar a posição onde se ancorava a direita francesa esperando ao mesmo tempo que a 7ª divisão apoiasse este ataque. Quando Stewart expulsou os franceses da posição indicada, mandou avançar as restantes forças de Hill sobre o centro e a esquerda francesa.

É neste contexto que aqui apresenta-mos o relatório do General Francisco da Silveira, conde de Amarante, dando conta dos acontecimentos de 7 e 8 de Julho ao Marechal Beresford. Este documento de Silveira é extraordinário pois em nenhuma das narrativas britânicas consultadas é referido que o general português tivesse sido encarregado do comando da força que atacou o centro-esquerda francês.

As várias narrativas inglesas sobre os acontecimentos de 7 e 8 de Julho em Maya, são em geral pouco claras e contraditórias entre si. Assim, por exemplo, Charles Oman dá-nos uma versão completamente oposta à de Silveira mas também à de John Fortescue e especialmente à de John Hope, oficial do 92nd Regiment of Foot (Highlanders), que esteve presente no combate. A narrativa deste oficial é a mais detalhada e em grande parte concordante com a relação de Silveira que se publica, e pode ser encontrada nas suas cartas.

Transcrevemos a seguir o relatório de Silveira, conservado no Arquivo Histórico Militar, atualizando a ortografia e inserindo algumas notas:

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Tenho a honra de remeter a Vossa Excelência o mapa dos feridos que a brigada da divisão do meu comando [Divisão Portuguesa] teve nos combates do dia 7 e 8 do presente mês [Julho]. No dia 7 recebi ordem em Elizondo de tomar o comando da brigada inglesa nº 1 [1ª brigada da 2ª divisão aliada, comandada pelo coronel John Cameron] e do regimento de infantaria português nº 6, e do esquadrão de cavalaria do regimento nº 14 [14th Regiment Light Dragoons] para junto com a brigada portuguesa dos regimentos de infantaria nº 2 e 14 da divisão do meu comando, marchar sobre o inimigo que se achava em Arisco. O inimigo tinha uma grande guarda neste povo, sobre o caminho que a ele se dirige de Elizondo; na retaguarda de Arisco há um rio com uma ponte chamada de la Mearrita (?), no caminho que se dirige a Maia; o inimigo se achava postado na sua direita com algumas colunas mais afastadas, do qual saía uma linha até à sua esquerda apoiada na montanha onde tinham alguns batalhões em escalão. Na sua retaguarda a direito do povo de Maia em uma montanha tinha uma força considerável formada em colunas de escalão.
Todas estas posições foram deixadas imediatamente que a nossa tropa principiou a marchar; sendo por nós seguido muito de perto até que tomou posições no Porto de Maia; onde apoiou a sua direita em um cabeço mais elevado, e a sua esquerda até ao cimo da montanha que se eleva na esquerda do Porto, tendo guarnecido a subida da montanha com caçadores e pequenas partidas. Os caçadores britânicos, as companhias de granadeiros dos regimentos nº 2, 6 e 14 foram ocupadas no serviço de caçadores debaixo das ordens e direção do tenente-coronel Fitegerald [Fitzgerald] do regimento nº 60; os quais principiaram a fazer um fogo vivíssimo, e a levar diante de si os caçadores inimigos; então mandei subir pela direita o regimento de infantaria nº 6 com o regimento inglês nº 71 e pela esquerda os regimentos ingleses nº 50 e 92; os da direita tomaram posições no cimo de uma montanha que os inimigos tinham guarnecida e que dava já uma passagem para a em que estavam os inimigos em força; o fogo durou até às 8 horas da noite, e as tropas ficaram nas mesmas posições que tinham.
No dia 8 toda a montanha estava coberta de névoa e por isso não se tinha conhecimento dos movimentos do inimigo. Levantou-se a névoa e se viu que ele se retirava e então o Sr. General Hill [comandante do corpo que incluía a 2ª divisão aliada e a divisão portuguesa] mandou que fosse seguido; subiu-se à montanha sem oposição, onde se uniu a coluna, que marchava pela esquerda do comando do Sr. General Stuarth [general Stewart, comandante da 2ª divisão aliada]. Todos os caçadores, as companhias de granadeiros dos regimentos nº 2, 6 e 14 portugueses e regimento nº 6 seguiram o inimigo até ao fim da montanha, imediata ao povo de Urdaye [Urdax]; o inimigo se fez forte e na retaguarda deste povo tomou as montanhas da sua direita e esquerda deixando uma força na ponte que dirige o caminho a Anhóa [Ainhoué].
Três companhias do regimento nº 6 subiram acima da montanha da nossa direita e principiaram a fazer fogo aos caçadores inimigos. As companhias do regimento nº 2 e 14 tomaram as montanhas da nossa direita e principiaram a fazer fogo aos caçadores inimigos e algumas companhias de batalhão de caçadores nº 6 e do regimento de infantaria nº 6 e caçadores ingleses desalojaram o inimigo do povo de Urdaye onde se ficaram. Veio ordem para se suspender o fogo por cujo motivo tiveram os inimigos ocasião de tornarem a entrar no povo, de onde tornaram a ser desalojados pelo fogo de uma peça e um obus da brigada de calibre 6 do meu comando.
Permita-me V. E. que eu lhe segure, que toda a tropa que comandei cumpriu dignamente os seus deveres; mas não posso deixar com particularidade de fazer menção do tenente-coronel do regimento de infantaria 6 João Telles [de Meneses e Mello], que comandando as companhias de granadeiros se portou com muito valor; também merece os louvores de V. E. os oficiais que comandaram as companhias dos regimentos 2 e 14 e o major graduado em tenente-coronel Lourenço Martins [Pegado] que levou ao fogo o 2º batalhão do regimento nº 2 e o major Gill do regimento nº 6 que comandou as companhias do mesmo regimento que foram destacadas pela nossa direita, e o coronel Ashworth [Charles Ashworth], comandante da brigada 6 e 18, que vi junto com os caçadores fazendo fogo ao inimigo.
Falo nestes por serem dos regimentos portugueses porque se houvesse de falar dos mais o faria do digno modo e valor do Sr. Cameron, comandante da 1ª brigada inglesa, e do tenente-coronel Fitegerald doregimento nº 60, que comandou todos os caçadores e o fez muito dignamente. Todos os oficiais ingleses vi portar exemplarmente e tive a satisfação de ver que os portugueses o fariam igualmente.
Da brigada dos regimentos 4 e 10 e caçadores nº 10 nada posso dizer a V. E. pois desde que se apartou não tenho tido parte nenhuma, nem amais pequena notícia dela.
Deus guarde Vossa Excelência
Quartel-general de Arisco 9 de Julho de 1813.
Il.mo. Ex.mo Sr. Marquês de Campo Maior
De V. Ex.cia súbdito muito obediente
Assinatura: Conde de Amarante[1]

Nestes combates de 7 e 8 de Julho, em Maya e Urdax, as unidades portuguesas empenhadas tiveram 16 praças mortos, 2 oficiais e 47 praças feridos e ainda 3 praças extraviadas.
Os oficiais feridos foram o ajudante Joaquim Francisco de Sá e Vasconcellos e o Capitão João Schwalback, ambos no dia 7.

Bibliografia:
Sir Charles Oman, A History of the Peninsular War, volume VI.
James Hope, Letters from Portugal, Spain, and France…, by a British officer.
John Fortescue, A History of the British Army, volume IX.


[1] AHM-DIV-1-14-243-29 ms 16 a ms 21.

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